A desejada modernização do visual das embalagens de produtos consagrados pode trazer riscos de maus resultados
A recente mudança feita pela cerveja Antarctica no visual das latas e garrafas da bebida é um caso exemplar de permanência dos fundamentos básicos das embalagens populares que se tornam clássicas (ou vice-versa). De tempos em tempos elas podem até trocar um pouco de cara, sem que, a rigor, isso altere a essência da imagem de marca consolidada durante décadas, mas as fortaleça ainda mais. Dito em outras palavras, embalagens clássicas em geral são o popular consagrado.
No caso da cerveja mais que centenária, historicamente seu rótulo foi redesenhado várias vezes, porém em raras oportunidades deixaram de ser preservados os principais símbolos que acompanharam o nome Antarctica ao longo de todo o século 20: os pinguins, os ramos de cevada e lúpulo na base do brasão e a “faixa azul”, que por bom tempo em outra época virou uma espécie de sinônimo da marca. Houve ocasiões em que um ou outro foi eliminado da apresentação, como, no penúltimo redesign, a faixa e as espigas. Agora, no trabalho da agência de design Hardcuore, voltaram todos, de forma revigorada, principalmente os dois pinguins, presentes nos rótulos desde a fundação da cervejaria, em 1891. As imagens das aves receberam tratamento especial e ficaram mais vistosas.
Outra mudança que se destaca está no formato dos rótulos – agora metalizados – das garrafas, que antes tinham design elíptico e se tornaram retilíneos (retangulares, verticais). As garrafas de 600 mililitros e de 1 litro passaram a ter proteção de cápsulas de alumínio no gargalo, uma tendência no mercado cervejeiro. Trata-se, em resumo, de uma espécie de volta às origens, porém de forma modernizada, desde a estilização dos elementos e da tipologia utilizada até a predominância da cor azul, incluindo a da faixa sobre o fundo, no mesmo tom.
Talvez essas alterações – ou “renovação”, como preferiram os responsáveis por ela – faça parte de eventual movimento de reposicionamento da marca por sua atual detentora, a Ambev. A eficácia dessa estratégia somente poderá ser constatada com o passar do tempo, e depende não apenas de mudanças de apresentação, mas também de outras ações de marketing, de propaganda, de frota de transportes, de mesas de bares, entre muitas outras. E, como teste decisivo, não se deve desprezar o fato de que mudanças como a do caso em questão passam também pelo teste às vezes decisivo da percepção dos consumidores de que “o sabor da bebida está melhor”, independentemente da qualidade intrínseca do produto. Pode ocorrer também de o poderosíssimo boca-a-boca difundir a impressão de que “está pior”…
Para fins deste artigo, como escrito no início, elas são motivo para reflexão a respeito do que sempre fundamenta mudanças de visual de embalagens: a modernização de imagem, mantendo a tradição – experiência em que, diz a própria experiência, todo cuidado é pouco. Reformas visuais podem comunicar com sucesso inovações e melhoras de conteúdo, mas sempre trazem riscos. Um novo design mal concebido pode levar a reações indesejáveis dos consumidores fiéis, que em última instância são quem dá força às marcas.
No panorama brasileiro, alguns exemplos mais persistentes (que sequer necessitariam de reprodução de imagens nesta argumentação, pois basta citá-los para que provavelmente venham às mentes das pessoas) seriam, para ficar-se em uns poucos, o da lata do Fermento em Pó Royal, o do invólucro do bombom Sonho de Valsa, o da caixa redonda do Requeijão Catupiry, o da Pomada Minancora e o do Biotônico Fontoura. No decorrer de suas longas histórias todos eles passaram por mudanças visuais que não eliminaram a essência de suas imagens. Para o consumidor, nunca envelheceram nem “traíram” suas origens. Mudaram “sem mudar”, não espantando consumidores e reforçando sua fidelidade.
Para não citar exemplos brasileiros de mudanças mal sucedidas em embalagens, pode-se recordar um da Coca-Cola, que geralmente se dá muito bem em ações desse tipo. Na primeira década deste século a fabricante da bebida iniciou uma campanha destinada a levantar fundos para a preservação de ursos polares. Para isso lançou uma lata totalmente branca ilustrada com aqueles animais. Exceto pela cor, embora o resultado visual fosse bonito, a mudança foi um desastre.
Nada no produto havia mudado, mas o imenso público apreciador da bebida entendeu que a Coca-Cola havia mudado sua fórmula secreta, pois “seu sabor já não era mais o mesmo”. O boca-a-boca foi devastador para as vendas, e a Coca-Cola rapidamente voltou atrás. É o tipo de fenômeno que tem explicação e tudo a ver com o chamado design multissensorial e com questões de cor das embalagens (segundo essa teoria, o vermelho transmite a sensação de conteúdo mais doce) e de sua influência na percepção do sabor de alimentos e bebidas.